“Você não terá nada, mas será feliz.” Afinal, o que representa o tão discutido ‘Grande Reset’?
A reunião anual em Davos, Suíça, que congrega alguns dos indivíduos mais ricos do mundo, tem se tornado um ponto de análise acerca de suas implicações na economia e na sociedade.
A edição deste ano da conferência do Fórum Econômico Mundial, que teve início nesta segunda-feira em Davos, Suíça, reúne cerca de 3 mil participantes pagantes e centenas de painelistas em mais de 500 eventos.
Durante o evento, CEOs de algumas das maiores empresas globais e destacados investidores, bem como figuras políticas como Fernando Haddad, ex-ministro da Fazenda, e líderes de diversas partes da Europa e do mundo, irão discutir os rumos atuais e futuros da economia.
Apesar de ter sido fundado em 1971 pelo engenheiro e economista Klaus Schwab como Fórum Europeu de Gestão, o evento ganhou amplitude em 1987 e passou a ser conhecido como Fórum Econômico Mundial.
A organização do fórum se sustenta através de financiamento fornecido por mais de 1200 empresas parceiras, contribuindo para um orçamento de US$300 milhões.
No entanto, essa contribuição não garante a CEOs e diretores o acesso à conferência em Davos, cujo custo é de aproximadamente 25 mil francos suíços (ou cerca de R$140 mil) por pessoa.
A partir de 2020, em meio à pandemia global, o Fórum passou a ser percebido de maneira diferente. Algumas vozes acusam a instituição de buscar “controlar” ou “reformatar” a sociedade segundo a perspectiva das grandes corporações e dos políticos.
De fato, em 2020, Klaus Schwab, presidente do WEF (Fórum Econômico Mundial), divulgou uma carta que se tornaria a base para o evento, denominada “Grande Reset”.
Em essência, o Fórum delineou sua visão acerca das mudanças substanciais que seriam necessárias no cenário econômico global.
Tais mudanças abrangem três pontos fundamentais:
– Estabelecer uma economia centrada nas “partes interessadas” (consumidores, acionistas e a sociedade), em vez de apenas nos “acionistas”.
– Promover uma economia mais localizada, sustentável e equitativa, baseada nos princípios ESG (Ambiental, Social e Governança).
– Abraçar as inovações provenientes da quarta revolução industrial.
Esse plano foi sintetizado pelo próprio Fórum em 2016, quando discutiram a economia compartilhada, mencionando que “você não terá propriedades, mas será feliz”.
A economia compartilhada tem sido uma aspiração para investidores, como é evidenciado pelos modelos de assinatura da Netflix, Amazon Prime, Spotify e Uber, os quais exemplificam essa nova abordagem econômica.
Nesse contexto, as pessoas não compram mais DVDs, carros ou CDs de música. Em vez disso, elas passam a alugar esses serviços, deixando de ser proprietárias. Isso interessa aos investidores pois amplia a base de consumidores.
Esse plano foi acelerado na década de 2010, independentemente do WEF, porém, como representante da elite global, o Fórum adotou essa ideia.
Contudo, o “Grande Reset” vai além disso.
Ele delineia práticas que as empresas devem adotar, de forma a se concentrarem menos na geração de lucro para os acionistas e mais na criação de impacto social.
Essa diretriz é potencialmente complexa, pois permite que grandes corporações influenciem o comportamento social, algo reminiscente das distopias cibernéticas.
Para o WEF, no entanto, esse é um passo para atenuar o “capitalismo predatório”.
O resumo do “Grande Reset”, em um documento de 110 páginas, busca abordar problemas reais, como a crescente desigualdade nas economias desenvolvidas, associada à financeirização dos negócios.
Entretanto, não oferece soluções concretas, apenas dá luz verde para que as empresas comecem a intervir em questões que extrapolam suas responsabilidades, sem estabelecer limites claros.
O documento de 2020 traz algumas sugestões, como o incentivo para as pessoas passarem mais tempo em casa a fim de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, e a ideia de que o consumo de carne é prejudicial ao meio ambiente.
Em suma, mais de mil bilionários e executivos se reunirão em Davos para discutir questões relevantes para os oito bilhões de habitantes do planeta, em uma reunião cujo custo de entrada é equivalente a cinco anos de salário de um trabalhador brasileiro.
Apesar das análises válidas e boas práticas que podem ser extraídas desse encontro, permanece a incerteza quanto à implementação concreta desse plano, transformando o destino do planeta em algo subjetivo e moldado por uma reunião fechada.