Como ‘comportamento de manada’ permite manipulação

A estratégia que vem sendo usada por perfis falsos no Brasil e no mundo para influenciar a opinião pública nas redes sociais se aproveita de uma característica psicológica conhecida como “comportamento de manada”.
O conceito faz referência ao comportamento de animais que se juntam para se proteger ou fugir de um predador. Aplicado aos seres humanos, refere-se à tendência das pessoas de seguirem um grande influenciador ou mesmo um determinado grupo, sem que a decisão passe, necessariamente, por uma reflexão individual.
“Se muitas pessoas compartilham uma ideia, outras tendem a segui-la. É semelhante à escolha de um restaurante quando você não tem informação. Você vê que um está vazio e que outro tem três casais. Escolhe qual? O que tem gente. Você escolhe porque acredita que, se outros já escolheram, deve ter algum fundamento nisso”, diz Fabrício Benevenuto, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre a atuação de usuários nas redes sociais.
Ele estuda desinformação nas redes e testou sua teoria
com um experimento: controlou quais comentários apareciam em um vídeo do
YouTube e monitorou a reação de diferentes pessoas.
Quanto mais
elas eram expostas só a comentários negativos, mais tendiam a ter uma
reação negativa em relação àquele vídeo, e vice-versa.
“Um vai com a
opinião do outro”, conclui Benevenuto. Em seu experimento, os
pesquisadores chegaram à conclusão de que a influência estava também
ligada a níveis de escolaridade: quanto menor o nível, mais fácil era
ser influenciado.
Exército de fakes
Evidências
reunidas por uma investigação da BBC Brasil ao longo de três meses, que
deram origem à série Democracia Ciborgue, da qual esta reportagem faz
parte, sugerem que uma espécie de exército virtual de fakes foi usado
por uma empresa com base no Rio de Janeiro para manipular a opinião
pública, principalmente, no pleito de 2014. E há indícios de que os mais
de 100 perfis detectados no Twitter e no Facebook sejam apenas a ponta
do iceberg de uma problema muito mais amplo no Brasil.
A estratégia
de influenciar usuários nas redes incluía ação conjunta para tentar
“bombar” uma hashtag (símbolo que agrupa um assunto que está sendo
falado nas redes sociais), retuítes de políticos, curtidas em suas
postagens, comentários elogiosos, ataques coordenados a adversários e
até mesmo falsos “debates” entre os fakes.
Alguns dos usuários
identificados como fakes tinham mais de 2 mil amigos no Facebook. Os
perfis publicavam constantemente mensagens a favor de políticos como
Aécio Neves (PSDB) e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB),
além de outros 11 políticos brasileiros.
Eles negam ter contratado
qualquer serviço de divulgação nas redes sociais por meio de perfis
falsos. A investigação da BBC Brasil não descobriu evidências de que os
políticos soubessem do expediente supostamente usado.
Eduardo
Trevisan, dono da Facemedia, empresa que seria especializada em criar e
gerir perfis falsos, nega ter produzido fakes. “A gente nunca criou
perfil falso. Não é esse nosso trabalho. Nós fazemos monitoramento e
rastreamento de redes sociais”, disse à BBC Brasil.
Personas
As pessoas que afirmam ser ex-funcionárias da Facemedia entrevistadas pela BBC Brasil disseram que, ao começar na empresa, recebiam uma espécie de “pacote” com diferentes perfis falsos, que chamavam de “personas”. Esses perfis simulavam pessoas comuns em detalhes: profissão, história familiar, hobbies. As mensagens que elas publicavam refletiam as características criadas.
“As pessoas estão mais abertas a confiar
numa opinião de um igual do que na opinião de uma marca, de um
político”, disse um dos entrevistados.
“Ou vencíamos pelo volume, já
que a nossa quantidade de posts era muito maior do que o público em
geral conseguia contra-argumentar, ou conseguíamos estimular pessoas
reais, militâncias, a comprarem nossa briga. Criávamos uma noção de
maioria”, diz um ex-funcionário.
Para Yasodara Córdova, pesquisadora
da Digital Kennedy School, da Universidade Harvard, nos EUA, e mentora
do projeto Serenata de Amor, que busca identificar indícios de práticas
de gestão fraudulentas envolvendo recursos públicos no Brasil, “a
internet só replica a importância que se dá à opinião das pessoas ao
redor na vida real”.
“Se três amigos seus falam que um carro de uma
determinada marca não é bom, aquilo entra na sua cabeça como um
conhecimento”, diz ela.
Confiança abalada
Para Lee Foster, da FireEye, empresa americana de segurança cibernética que identificou alguns perfis fakes criados por russos nas eleições americanas, essa tentativa de manipulação pode não fazer as pessoas mudarem seus votos. “Mas podem passar a ver o processo eleitoral todo como mais corrupto, diminuindo sua confiança na democracia”, afirma
“As
redes sociais estão permitindo cada vez mais coisas avançadas em termos
de manipulação nas eleições”, diz Benevenuto, citando as propagandas
direcionadas do Facebook. “Estamos entrando em um caminho capaz de
aniquilar democracias.”
A solução proposta por pesquisadores para o
problema dos perfis falsos e robôs em redes sociais vai da transparência
das plataformas ao esforço político de “despolarizar” a sociedade.
Córdova diz que não se deve pensar em “derrubar todos os robôs” – que
não são necessariamente maliciosos, são mecanismos que automatizam
determinadas tarefas e podem ser usadas para o bem e para o mal nas
redes sociais.
“É impossível proibi-los. A saída democrática é ter transparência para outros eleitores”, afirma. Se “robôs políticos” existem e estão voluntariamente cedendo seus perfis para reproduzir conteúdo de um político, eles devem estar marcados como tal, como, por exemplo, “pertencente ao ‘exército’ do candidato X”.
Transparência
Defensora
do direito à privacidade e da liberdade de expressão, a pesquisadora
Joana Varon, fundadora do projeto Coding Rights (“direitos de
programação”), também defende a transparência como melhor via.
“Anonimato e privacidade existem para proteger humanos. Bots (robôs de
internet) feitos para campanha eleitoral precisam ser identificáveis e
registrados, para não enganar o eleitor”, afirma.
Mas como aplicar
essa lógica para os perfis falsos controlados por pessoas que prestariam
serviço secretamente para políticos, como os identificados pela BBC
Brasil?
Para Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de
Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), deve haver maior
transparência e regulação em plataformas como o Facebook, que deve
começar a agir “como se fosse um Estado, já que virou a nova esfera
pública”, onde acontecem discussões e interações. Ou seja, a plataforma
deve começar a se autorregular, se não quiser ser regulada pelos
Estados.
Uma de suas tarefas, diz ele, deve ser excluir esses perfis
falsos da rede – algo que a própria empresa diz, sem dar detalhes, que
pretende fazer no Brasil antes das eleições de 2018.
“Mas o grande
desafio mesmo é desarmar a sociedade, que está muito polarizada e sendo
estimulada nos dois campos. Sem essa polarização, cai a efetividade dos
perfis falsos”, diz Ortellado.
Córdova defende que os usuários
sejam educados sobre o que são robôs e que mais pessoas os estudem. “O
remédio contra esses exércitos de robôs é um exército de pessoas que
entendam a natureza dessas entidades na internet.”
Além disso, diz, a
tendência é que as plataformas deixem as pessoas controlarem seus
próprios feeds e que existam cada vez mais empresas de checagem de
notícias, já que outra preocupação em 2018 são as “fake news” (notícias
falsas). “Não tem solução mágica. É um ecossistema que está sendo
criado.”
À BBC Brasil, o Twitter informou que “a falsa identidade é
uma violação” de suas regras e que contas que representem “outra pessoa
de maneira confusa ou enganosa poderão ser permanentemente suspensas”.
O Facebook diz que suas políticas não permitem perfis falsos e que está
aperfeiçoando seus sistemas para “detectar e remover essas contas e
todo o conteúdo relacionado a elas”. “Estamos eliminando contas falsas
em todo o mundo e cooperando com autoridades eleitorais sobre temas
relacionados à segurança online, e esperamos tomar medidas também no
Brasil antes das eleições de 2018.”