O time de futebol que desafiou as forças tirânicas de ocupação
Antes a morte do que se ajoelhar para o mal [Matéria com tradução automática]
Poucos conflitos tiveram batalhas mais famosas do que a segunda guerra mundial. Dentre as mais lembradas, se destacam a batalha da Inglaterra, a de Kursk e claro, a batalha de Stalingrado. Contudo, uma das mais lendárias batalhas deste conflito não foi disputada com armas, mas sim com uma bola, e é essa história que contarei para vocês hoje. Antes de qualquer coisa, precisamos mergulhar no passado. Durante a década de 1930, o futebol era extremamente popular na União Soviética, o que levou ao estabelecimento da Liga de Futebol Soviética em 1936. Vários clubes foram reestruturados e um novo nível de profissionalismo foi concedido à essa liga. Neste cenário, o Dínamo e o Lokomotyv, dois clubes rivais de Kiev, estavam no topo, com o Dínamo frequentemente ficando em segundo lugar, atrás apenas de clubes de Moscou como o Spartak e o próprio Dínamo de Moscou, que eram os melhores clubes da União Soviética na época.
Com o passar dos anos, o esporte foi ficando cada vez mais popular no país, ao passo que a política começou a se misturar com ele. Por essa razão, clubes, como o Dínamo de Kiev, começaram a ser frequentemente patrocinados pela NKVD, cujos membros se interessavam por esse esporte. Ao mesmo tempo, há centenas de quilômetros dali, o futebol também foi ficando cada vez mais popular na grande rival ideológica da URSS, a Alemanha Nazista. Tendo um campeonato bem mais antigo que o dos soviéticos, a Bundesliga, que já era disputada em 1910, os alemães foram tomando cada vez mais gosto pelo esporte, com o time principal do país naquela década sendo o Schalke 04, time esse que Adolf Hitler supostamente torcia.
Subsequentemente a esses fatos, em 22/06/1941, a Alemanha deflagrou a maior operação militar de todos os tempos, a Operação Barbarossa, e um dos principais alvos dela era um dos templos do futebol soviético, a Ucrânia. Após duríssimas batalhas, os alemães triunfaram, conseguindo assim se estabelecer naquele território. Nesse caos, clubes que recebiam aporte de membros do partido comunista foram marcados, sendo imediatamente dissolvidos. Muitos jogadores do Dínamo e do Lokomotyv ingressaram no Exército Vermelho ou na resistência partidária, enquanto os que ficaram encontraram trabalho em uma padaria cujo dono era um grande torcedor do Dínamo de Kiev.
No entanto, mesmo após conquistarem aquele território, as dificuldades dos alemães não terminaram, pois, boa parte da população daquele local, por razões óbvias, era hostil com os ocupantes, e foi por causa disso que uma ideia surgiu. Como parte do processo de pacificação, o tenente-general Freidrich Georg Eberhardt, do exército alemão, que era um grande fã de futebol, sugeriu que partidas fossem disputadas entre a população local e as forças do eixo. O dono da padaria citada anteriormente, ao saber disso, patrocinou seus funcionários para formar um time e se inscrever no concurso. A equipe chamava-se FC Start e era composta por ex-jogadores do Dínamo e do Lokomotyv. Enquanto as equipes do eixo eram compostas praticamente por jogadores amadores oriundos de regimentos húngaros, romenos e alemães. Contudo, em vista do fato de as tropas do eixo enxergarem os ucranianos como sub-humanos, seu amadorismo não os preocupava, pois a vitória seria certa contra os ditos “povos inferiores”.
Então, começaram as partidas. As tropas do eixo estavam profundamente mal informadas sobre as capacidades de seus adversários, e na primeira partida, que foi uma disputa entre a equipe FC Start x membros de um regimento búlgaro, o resultado foi desastroso pro eixo, com os ucranianos vencendo por 6×2. Vários dias depois, contra uma equipe formada por romenos, outro massacre, desta vez por 11 a 0. Enquanto isso, alguns jornais locais começaram a divulgar “o time de futebol que desafiou as forças tirânicas de ocupação”, e assim que os alemães perceberam o problema que estava surgindo, tentaram acalmar o público e diminuir o sucesso do time. Eles começaram a cobrar ingressos para as partidas, com boa parte sendo mais de 5 rublos, o que em tempos de crise não era pouco. Mesmo assim, a multidão continuou chegando ao Estádio de Futebol Zenit de Kiev, onde os jogos estavam sendo realizados. A cobertura por jornal foi cancelada, embora ainda se espalhasse a notícia sobre o imparável time azarão. O FC Start derrotou então um time de soldados alemães, com placar de 6 a 0 e outro time húngaro, que foi considerado bem melhor que o anterior, com a partida sendo de 5 a 1.
A coisa ficou séria ― os ucranianos não só pareciam invencíveis, como também iam pulverizando todos que cruzavam seu caminho. Os húngaros pediram uma revanche, mas perderam por um gol, 3 a 2. Então os alemães formaram Flakelfe – a equipe oficial da Luftwaffe, composta apenas por arianos puros (pelos critérios alemães) que representavam o espírito esportivo alemão no seu mais alto grau. Porém, os bravos ucranianos não se importaram com isso. Para eles, tudo era esporte e mesmo quando alguns de seus amigos indicaram que não era sensato vencer continuamente os alemães, eles se recusaram a ouvir. Iniciou-se a partida, e o resultado foi humilhante para os alemães, 5 a 1. Estava criada uma crise, pois a ideia da superioridade da raça alemã estava agora em questão, pois os ucranianos obviamente provaram que eles estavam errados. Os alemães estavam em uma situação difícil – por um lado, eles não podiam matar os membros do FC Start, pois isso os tornaria mártires e desacreditaria o espírito esportivo alemão. Por outro, precisavam derrotar “o time invencível“, pois só assim poderiam mostrar que de fato eram superiores. Eis que uma revanche foi solicitada, e apesar do preço excessivo dos ingressos, cerca de 2.000 espectadores estiveram presentes na partida. O estádio foi supostamente cercado por guardas e cães, e o governo nazista já estava se tornando motivo de chacota em Kiev, apesar de sua crueldade.
No início da partida, o árbitro, que era oficial nazista, negligenciou o jogo duro de sua equipe, o que resultou no pouso inconsciente do goleiro do FC Start. Segundo alguns testemunhos orais, o time alemão aproveitou este tempo para marcar três gols. Contudo, mesmo diante dessa situação calamitosa, os ucranianos não se renderam, e espetacularmente, viraram a partida, e no fim, triunfaram por 5 a 3. Porém, nos meses seguintes à partida, sua glória foi convertida em desgraça. Os jogadores foram presos sob várias acusações, a maioria delas relacionadas à acusação de serem agentes da NKVD, já que a relação entre a polícia secreta soviética e os clubes de futebol existia antes da guerra. Posteriormente, cinco deles morreram. Agora vem o véu do mistério. Mais de um ano depois, em 1943, Kiev foi libertada pelo Exército Vermelho. E assim que os soviéticos souberam do torneio de futebol, ficaram temerosos em promovê-lo com medo de que os membros do FC Start fossem de alguma forma colaboracionistas. Mas, como a história já estava por aí, eles a usaram em benefício próprio, distorcendo-a para que soasse mais romântica.
Um dos membros originais da equipe, Makar Goncharenko, teria sido instruído a dizer que a Gestapo ameaçou os jogadores de perder o jogo ou perder a vida. Além disso, várias testemunhas oculares confirmaram em 1992 que a partida não foi tão fortemente protegida quanto os soviéticos disseram mais tarde. No entanto, a questão mais importante permanece – cinco jogadores de futebol – Olexander Tkachenko, Mikola Korotkykh, Nikolai Trusevich, Olexi Klimenko e Ivan Kuzmenko – foram assassinados por causa de seu envolvimento na derrota devastadora do time Flakelf? A versão soviética da história, apoiada por alguns historiadores modernos, afirma que sim, mas em 2005, um tribunal de Hamburgo rejeitou a ideia, após uma investigação. A investigação concluiu vários motivos pelos quais os jogadores detidos foram baleados, nenhum deles ligado ao jogo.
Todavia, a ideia de que os jogadores derrotaram seu inimigo no campo de futebol e pagaram caro continua sendo uma fonte de orgulho e inspiração, já que o monumento dedicado aos membros falecidos do FC Start permanece em Kiev até hoje. Além do monumento, há representações cinematográficas do evento, sendo o mais famoso o Escape to Victory, de 1981, dirigido por John Huston e ambientado em um campo de prisioneiros de guerra na França. Ademais, provavelmente nunca saberemos com certeza o que de fato ocorreu no dia deste jogo, mas, sendo todos os fatos narrados pelos soviéticos verdadeiros ou não, a equipe FC Start para sempre será lembrada como um exemplo de superação e de coragem, pois mesmo diante da adversidade da guerra, e do risco de perderem suas vidas, aqueles homens preferiram arriscar tudo, pois muitas vezes a morte é uma opção melhor do que se ajoelhar para o mal.
Fontes das imagens: dirkdeklein.net, www.dw.com, www.sealionpress.co.uk, qirim.news, http://www.footyfair.com