O holocausto comunista
Vencedora do prêmio Pulitzer, Anne Applebaum mergulhou nos arquivos secretos da URSS para mostrar os bastidores de um regime assassino
A jornalista Anne Applebaum começou a desconfiar que alguma coisa estava errada quando percebeu um número crescente de jovens usando camisetas com símbolos soviéticos, em especial a foice e o martelo. Foi aí que ela se perguntou por que as pessoas toleram e até aceitam um regime cruel como o comunismo da União Soviética enquanto desprezam veementemente o nazismo.
Ex-correspondente da revista The Economist na Europa Oriental, Anne teve acesso aos arquivos oficiais, até então secretos, do comunismo soviético. Entrevistou sobreviventes e analisou documentos até desembocar no livro Gulag, a History (“Gulag, uma História”, inédito no Brasil ), que devassa a máquina de matar montada pelo stalinismo. O livro narra a história dos campos de trabalho soviéticos e descreve o dia a dia desses lugares – e todas as atrocidades cometidas em nome da foice e do martelo. Com Gulag, Anne ganhou o Pulitzer de 2004, mais importante prêmio do jornalismo. De Washington, onde é colunista e integrante do conselho editorial do jornal The Washington Post, a jornalista falou com a Super.
O que exatamente era o Gulag?
É uma abreviação em russo para “Administração Central dos Campos”. Um nome burocrático para o órgão que administrava todos os campos de trabalho.
Quem foi o responsável pela criação desses campos?
Os czares já tinham pequenas colônias de trabalho forçado. De certa forma, a União Soviética se construiu sobre essa tradição. Stálin sempre admirou a utilização de trabalho forçado por Pedro, o Grande, durante a construção de São Petersburgo. Mas o gulag era um fenômeno bem diferente, bem maior, com milhões de pessoas. O maior campo, Kolyma, era seis vezes mais extenso que a França. O gulag se tornou parte considerável da economia soviética e ícone central da ideologia do regime. Cidades inteiras foram construídas pelos prisioneiros, assim como quase todas as estradas da Sibéria, aeroportos e campos de petróleo.
É possível comparar o gulag a um campo de concentração nazista?
O gulag durou muito mais tempo, atravessando ciclos de enorme crueldade e relativa humanidade. Os campos nazistas duraram menos e tiveram menos variações: simplesmente se tornaram cada vez mais cruéis até que os aliados venceram a guerra. O gulag tinha vários tipos de campos, desde as letais minas de ouro de Kolyma, onde 3 milhões de pessoas morreram, até os “luxuosos” institutos secretos, nos arredores de Moscou, onde cientistas prisioneiros construíam armas para o Exército Vermelho.
A definição de “inimigo” era muito mais enganosa que a definição de “judeu” na Alemanha nazista. Salvo pequenas exceções, nenhum judeu poderia mudar seu status e escapar com vida do nazismo. Enquanto milhões de prisioneiros soviéticos temiam morrer – e milhões morreram –, não existia nenhuma categoria particular cuja morte era garantida. Alguns poderiam provar seu valor e trabalhar em empregos confortáveis, como engenheiros ou geólogos, em que tinham a integridade preservada.
Os campos de concentração eram verdadeiras fábricas de cadáveres. Pouquíssimas pessoas faziam trabalhos forçados – a maioria das vítimas era mandada diretamente para as câmaras de gás e depois cremada. Esse tipo de assassinato não teve um equivalente soviético. Mas, é claro, a União Soviética encontrou maneiras de matar milhões de cidadãos. Normalmente, eles eram levados até florestas, recebiam um tiro na cabeça e terminavam em túmulos coletivos.